quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Praia, hoje uma Cidade sitiada

Para dar alguma satisfação ao povo, Governo decide colocar Militares na rua. Só isso chega? Claro que não. Porquê? Porque a tropa dificilmente estará presente em todos os bairros da capital, pelo menos no meu nem polícia vejo. Esta medida faz-nos lembrar a história daquela farmacêutica que gabava-se de ter inventado o remédio para curar uma doença de origem desconhecida que parecia incurável. Os doentes ficavam curados mas a doença continuava a alastrar-se sem que as autoridades soubessem a sua origem. Foi preciso um "especialista" em medicina tradicional, analfabeto, alertar as autoridades a se desfazerem de um velho depósito de líquido radioativo na aldeia para que a doença desaparecesse e nunca mais se falasse dela. Resumindo: atacou-se a consequência, mas a causa foi ignorada. Isto aplica-se ipsis verbis à medida do Governo.
Sejamos coerentes meus senhores: Militares nalgumas ruas não vão resolver o problema. Os bandidos não são loucos ao ponto de irem fazer das suas à frente dos Militares e esses não vão ficar nas ruas por muito tempo. Segurança da população e dos seus bens é trabalho da polícia. Frequentemente vemos centenas de agentes a saírem de formação mas creio que acabam por lá ficar porque nas ruas só vejo as caras do costume. Convido o leitor a andar (de carro, claro!) às tantas da noite e veja com quem se vai cruzar nas ruas. É capaz até bater de frente com um extraterrestre mas polícia nem vê-los. Experimente ainda chamar a Polícia para um caso de urgência e veja quanto tempo ele demora a chegar.
Há dois anos fui vítima de um assalto à minha residência. Os bandidos levaram o meu portátil (um presente oferecido pelo meu irmão!) que ainda hoje recordo com saudades. Era um companheiro inestimável porque lá tinha quase tudo para me divertir nas minhas horas de lazer. Era como se fosse um filho, daquelas crianças traquinas e inconstantes que quando estão connosco não nos deixam em paz, tiram-nos do sério e irritam-nos até, mas quando se ausentam por mais curto espaço de tempo que seja nos fazem sentir saudades delas e logo reclamamos o seu regresso.
A polícia (Nacional e PJ) foi à minha casa, viu, registou e fez os procedimentos habituais. Ambos garantiram-me que naquele espaço exíguo só pode ter entrado o corpo de uma criança magra mas com ajuda de um adulto. A PN disse-me ainda que têm uma ideia clara de quem terá sido os autores do roubo, porque conhecem a estratégia daquele grupo (utilização de crianças para assaltos do género). A pergunta que se põe é que se conhecem esses larápios porque não vão lá recuperar os meus bens roubados e de tantos outros? Até hoje aguardo que o meu telefone toque para ir à esquadra receber o meu portátil. Nada. Já lá vão dois anos! Já perdi as contas do percurso que fiz à Esquadra para saber de alguma novidade. Cansei. Desisti de lá ir e não vou mais. Portanto, podem ir à TV mil vezes se for preciso para exibirem resultados de diligências que fazem, mas as autoridades não têm podido dar respostas concretas a onda de assaltos e criminalidade que têm assolado a Capital do país. Só lhes falta reconhecer publicamente que são incapazes (para não utilizar outro termo) de resolver definitivamente esse grave problema numa cidade de 140.000 mil almas (incluindo dos fantasmas que andam a tirar-nos sossego). Esse número é muito inferior a população de uma simples avenida qualquer de Nova Iorque, mas demasiado complexa para a nossa polícia investigar. Não acredito nesta medida porque ela peca por duas razões: tardio e sem consequências práticas.
Não me obriguem a ensinar as autoridades o que devem ou não fazer para cortarem o mal pela raiz, mas nas minhas reflexões cheguei a questionar se não seria necessário aplicar a medida que segundo consta é recorrente em certo país africano, nosso amigo até. Pelos lados dos defensores dos Direitos Humanos (no qual me incluo) choveram críticas severas mas por outro lado o banditismo quase que deixou de existir.
Tanto você, meu caro leitor, como eu estamos aqui a assistir de joelhos a tudo, impávidos e de coração na boca porque a próxima vítima pode ser qualquer um de nós. Quem conseguir sobreviver a tudo isto ficará para contar o resto da história.
Até quando?

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A importância da virgindade no casamento: o contexto cabo-verdiano*

Antes de entrarmos no tema deste trabalho propomos analisar o conceito e a importância da virgindade do ponto de vista cultural e ao longo dos tempos.
Nas mulheres a virgindade é caracterizada pelo hímen (uma pequena dobra mucosa que fecha a entrada da vagina), quando ele é rompido a moça deixa de ser garota e se transforma em mulher. Como é uma ideia antiga, há uma série de conceitos ligados à virgindade da mulher. A mulher antigamente deveria se manter pura até ao casamento, pois era sinal de que daria filhos legítimos ao seu marido, actualmente já não é bem assim, as mulheres deixaram certos conceitos de lado e passaram a manter relações sexuais sem se casar. Mas não são todas, ainda existem aquelas que se mantém virgem, esperando o homem certo e outras esperando o casamento.
O conceito da virgindade é construído pela sociedade, baseado em critérios tanto biológicos quanto sócio-culturais, e desta forma pode variar grandemente entre as culturas, sendo muito valorizado em alguns meios sociais ou religiosos, especialmente no que diz respeito à preservação da virgindade antes do casamento.
Vamos, pois, centrar este tema no contexto cabo-verdiano.
Em Cabo Verde, principalmente nos meios rurais, a tradição de preservar a virgindade continua como nos outros tempos, embora a tendência é romper com a velha tradição. Longe vão os tempos em que ser virgem era sinal de pureza e de seriedade para qualquer garota, principalmente quando se aproximava da maioridade e se preparava para o casamento. A garota que não era virgem estava condenada à exclusão social. Era vista como impura e por isso não deveria ser tratada com respeito pelos homens e muitas vezes estava destinada a viver sozinha ou pelo menos não se casar.
Segundo a tradição antiga, o casamento é o ponto alto na vida de qualquer mulher. Para atingir esse objectivo é necessário ser-se virgem, o que vale dizer não manter relações sexuais com penetração antes do casamento. Mas antes desta fase, os futuros noivos devem manter uma relação de intimidade muito próxima, equivalendo ao que se designa hoje por fase de namoro ou de conhecimento pessoal. Durante o período de “namoro”, o futuro casal não pode manter relações sexuais com penetração. Aliás o namoro geralmente é feito na presença dos pais ou de um membro de família após a aceitação por parte desta do rapaz.
Não há um limite de tempo para os noivos se conhecerem. Tudo dependerá da vontade dos mesmos ou dos seus familiares quanto à altura ideal para se casar. Partindo do princípio que é chegada a hora de formulação do casamento, inicia-se um conjunto de rituais para o grande dia com os mais velhos a preparem os noivos para a vida a dois.
Dois dias antes do casamento, os noivos são separados e só podem aproximar-se no dia do casamento. Enquanto se preparam para o grande momento, a festa há muito que já tinha começado, talvez uma semana antes. Independentemente da dimensão da comunidade dos pais dos noivos e dos muitos convidados, são sacrificadas várias cabeças de gados e muitos quilos de produtos hortícolas, que incluem feijões, milho, sapatinha, favas, etc. O grogue não pode faltar, além de outras bebidas alcoólicas nomeadamente garrafões de vinho.
Os dias que antecipam o casamento são preenchidos com os preparativos da festa e a casa dos pais da noiva está permanentemente cheia de convidados, vizinhos e amigos da família. Normalmente quem vai à festa leva sempre um presente para os noivos mas cabe aos padrinhos a responsabilidade de levar sempre uma quantidade maior que pode ser uma vitrina repleta de louças ou cabeças de gados (de preferência bois).
Enquanto decorre a festa, os familiares mais íntimos da noiva (mãe, tia ou madrinha de casamento) preparam a cama onde vai dormir o casal na primeira noite do casamento. Reza a história que se a noiva não é virgem ela tem que relevar antes do casamento para que tudo esteja em ordem na noite de lua-de-mel, nomeadamente os truques para manchar o lençol de sangue fingindo assim que ela era virgem. A noiva só pode relevar este segredo a alguém da sua confiança, que neste caso é mãe ou a madrinha. Na ilha de Santiago, por exemplo, é a madrinha quem prepara os truques, pois a mãe pelos vistos não pode ter o desgosto de casar uma filha “sem três vinténs” ou “bedja”. O “três vinténs” ou simplesmente “três” é o termo que sempre foi utilizado ao longo dos tempos para designar a virgindade feminina. Tudo indica que entrou na tradição da família cabo-verdiana com início da colonização do país.
Sobre o assunto, diz-nos o professor e antigo director do Instituto de Medicina Legal de Coimbra em dois estudos curiosos (Uma Hipótese… e Uma Tese…), de 1940 e 1941. Depois de versar a tradição do uso da velha moeda de três vinténs suspensa de um cordel ao pescoço, para preservar as portadoras da perda da virgindade, escreveu Almeida Ribeiro: “Algum dia passou a ser de uso popular a moeda de três vinténs como amuleto protector de uso popular a perda prematura da virgindade das moças; amuleto, infelizmente, muitas vezes inoperantes. Tornando, nestes casos, inútil como meio de protecção, se não era conservado pelo propósito de, pela continuação do seu uso, procurar iludir os outros, a rapariga punha de lado a moeda, tirando-a do pescoço, quando não era a fazê-lo a própria mãe…” e a expressão de “tirar os três vinténs não teria justificação numa referência directa a uma acção sobre o hímen, mas, sim, tê-la-ia na referência ao acto de pôr de lado, de tirar da pessoa desflorada um objecto material tornado inútil, senão ridículo”[1].
Na tradição cabo-verdiana, geralmente a mãe parece ser quase impossível que tenha conhecimento de que a filha não é virgem. Os pais mais conservadores fazem questão de educar as suas filhas para o casamento que é para todos os efeitos o orgulho maior de uma família.
Partindo do princípio de que a rapariga não é virgem, proceder-se-á a vários truques para preservar a honra da moça – feitos, como já dissemos, pela madrinha e normalmente sem conhecimento da mãe e dos restantes familiares da noiva. Na noite de lua-de-mel, enquanto decorrem os festejos que podem prolongar-se até ao dia seguinte, os recém-casados recolhem-se para o aposento já previamente preparado para os receber.
Independentemente do que aconteceu naquela cama, o facto é que a madrinha já tem tudo preparado para mostrar aos pais dos casais no dia seguinte. O truque consiste em manchar o lençol da cama com sangue da cabeça de galinha. Este método, segundo a tradição, é usado com mais frequência porque é o que mais se aproxima do sangue da virgindade.
Como é da praxe, logo pela manhã a madrinha entra no quadro do casal, levando consigo e de forma escondida o lençol já devidamente manchada. Passados uns instantes ela sai do quarto com uma trouxa à cabeça dançando e entoando canções tradicionais. Neste momento começa-se o lançamento dos foguetes como sinal de que a noiva era virgem e naturalmente a continuação da festa que com certeza vai ser rija. Os pais do casal e a comunidade ficam a saber também de que a rapariga afinal era virgem o que constitui “orgulho” para a família. Durante o dia faz-se a demonstração pública da honestidade da rapariga com a madrinha de trouxa à cabeça e ladeada pelos recém-casados e um pequeno grupo de pessoas da família.
De acordo com a tradição, ela deve primeiro visitar a casa dos pais da esposa para lhes provar que a filha era virgem, exibindo o tal lençol manchado de sangue. De seguida rumam-se à casa dos pais do marido para o mesmo fim. Embora não sendo um costume que se repete em todas as ilhas do país, em Santiago por exemplo, a madrinha só deve exibir a prova da virgindade da rapariga aos pais do casal. Nalgumas ilhas, esta prática é extensiva a outros indivíduos que inclui alguns familiares mais próximos do casal e também às pessoas mais respeitadas daquela comunidade. Convém frisar aqui que caso a jovem esposa fosse realmente virgem a história que acabamos de narrar não seria muito diferente, exceptuando a artimanha levada a cabo pela madrinha e seus comparsas. Assim, com o cumprimento desta prática terminam as festas e os pais e toda a família do jovem casal respiram-se de alívio porque se cumpriu a tradição e se preservou a honra e bom da família e da própria comunidade.
No entanto, nem todos podem ter a mesma história e um final feliz como o casal que acabamos de ver. Vamos supor que de facto, a noiva não tinha o tal três vinténs ou três e a madrinha (e mais ninguém!), confiante na seriedade da afilhada, se deu ao trabalho de preparar o “misterioso” lençol. E para complicar ainda mais as coisas o próprio noivo desconhecia o facto de a rapariga que escolheu para ser a sua futura esposa e mãe dos seus filhos não ser virgem.
A rapariga para enganar os pais e o próprio noivo fingindo que é virgem apenas para poder se casar teria que ter muita coragem e muita pouca-vergonha na cara, isto porque quando se pede a mão de uma moça em casamento parte-se do princípio de que é “imaculada”, por isso na comunidade não se questiona se fulana de tal que vai casar-se com o beltrano é virgem ou não. O curioso nisto tudo é que os noivos não podem, ou pelo menos não devem, manter relações sexuais antes do casamento. O acto sexual é sagrado e seria pecado mortal para quem o praticasse sem a devida “autorização” da Igreja Católica, através do casamento. Talvez por levarem os deveres católicos aos extremos muitos não consentiam a relação sexual antes do casamento, por mera educação religiosa ou simplesmente por preferirem guardar esse grande dia para a noite de núpcias.
Nessa noite, o casal recolhe para os seus aposentos como habitualmente. A grande expectativa será no dia seguinte, porque os pais e toda a comunidade estão ansiosos para receber novidades. Durante a noite, infelizmente o marido acaba por descobrir que a mulher não é virgem. Geralmente, não se pode saber se houve ou não discussão entre os recém-casados durante a noite. A tradição diz que o marido ao tomar conhecimento da ausência da virgindade na mulher interrompe imediatamente o acto sexual e dorme de cara para a parede até ao amanhecer. Há histórias que dizem que o marido mesmo apercebendo de que a mulher não é virgem, não deve interromper o acto sexual que por sua vez deve continuar até ao fim mas fora da cama. A cama deve manter-se bem arrumada e sem sinais de que tenha sido usada durante a noite.
Independentemente da forma como terá decorrido a noite, o importante neste caso é ausência da virgindade da jovem esposa. O marido, por conseguinte, deve levantar-se muito cedo para dar “satisfação” à comunidade. Antes de sair do quarto deve vestir-se a rigor, ou seja trajar a mesma roupa que levou para o casamento. Um pé das calças deverá ficar pelos joelhos enquanto o outro permanece de forma normal. A camisa fica fora das calças e desabotoadas e não deve trazer gravatas. De seguida, sai à rua ou sobe para o telhado da casa onde vai permanecer por tempo indefinido, pelo menos até que seja visto por todos os habitantes daquela comunidade. Quando isso acontece é sinal de que a noiva era “bedja”, tornando o marido motivo de chacota entre a vizinhança. A partir desse momento toda a gente fica a saber que a fulana de tal casou “bedja” e por isso não é digna de respeito. É algo que vai manchar para sempre a vida de qualquer casal.
Não vamos abordar aqui a influência da Igreja Católica em todo este processo pelo que o faremos oportunamente numa outra perspectiva sobre o tema.
Hoje não se questiona a importância da virgindade no casamento como antigamente. A tradição ainda existe, principalmente no interior da ilha de Santiago, mas já não possui as características dos tempos dos nossos avôs.
(...)
A própria legislação cabo-verdiana nunca previu dissolução do casamento com base na ausência da virgindade [...].


* Resumo de exposição feita na aula de "Introdução ao Direito de Família e Menores", no ISCJS (em actualização).
[1] RIBEIRO, António, in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Nº 36, Ano ??, Ed. Página Editora, Portugal.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Que Desenvolvimento para a Ilha do Maio - II?


Nos meus artigos tenho questionado sempre a forma como a Ilha do Maio vinha sendo enquadrada dentro de estratégia do desenvolvimento nacional. Muitos justificavam esse aparente "esquecimento" por parte dos sucessivos governos não como uma forma de "penalizar" a ilha - até porque não há motivo para isso! - mas sim por nunca ter havido tanto interesse como o que já está a ter agora, principalmente em relação ao turismo. Antes os olhos estavam concentrados na Ilha do Sal onde pelos vistos está a rebentar pelas costuras com infraestruturas hoteleiras e de restauração. Seguidamente virou-se para a Ilha da Boa Vista que por incrível que apareça corre também sério riscos de cair nos meus erros de que a sua vizinha Ilha do Sal. Por último, só agora os ventos de bonança começaram a soprar para a nossa ilha e espero que não terminem num furacão. Traduzindo isso por outras palavras quero simplesmente relembrar aqueles que têm incumbência de elaborar o tal malfadado plano de desenvolvimento local de que quaisquer que sejam projectos turísticos que venham a ser elaborado que tenham sempre em conta a sustentabilidade ambiental, pois pior que execução de um plano de desenvolvimento mal feito são as consequências nefastas que isso porteriormente acarreta com todas as consequências que todos sabemos.

Nem quero imaginar ter na nossa ilha grandes resorts espalhados por tudo quanto é praia. Não venha alguém dizer que sou contra tais infraestruturas! Basta pensar nos benefícios que trazem, como por exemplo a geração de empregos e melhorias de condições de vida da população, etc. para os receber de bom grado. Todavia, qualquer construção de grande envergadura na orla marítima e de forma "selvagem" teria consequências por exemplo para as tartarugas marinhas porque estaríamos a invadir o seu habitat natural e é o único que elas têm. O homem quando não consegue construir uma casa junto ao mar, pode fazê-lo no sopé das montanhas ou até nas encostas destas, ao contrário desses animais que não têm alternativa por onde escolher. Sendo o Maio uma ilha de desova das tartarugas marinhas por excelência, seria de importância extrema continuarmos a preservar aquilo que a natureza sempre nos proporcionou talvez desde sempre. [...]

terça-feira, 31 de março de 2009

A Filosofia de Vida


Fui há dias questionado sobre a minha filosofia de vida. Não hesitei em responder: Viver! Afinal todos nós nascemos e vivemos para alguma coisa. Quando crianças, como é evidente, não temos a verdadeira noção da importância da Vida e muito menos porque estamos a viver. À medida que vamos amadurecendo, as coisas tendem a tornar-se mais nítidas e perceptíveis. Começamos primeiro por gostar das profissões que vemos nos outros. Se vamos ao médico e ele não nos receber com uma agulha na mão logo queremos ser médicos. Se temos por hábito acompanhar o irmão mais velho ao futebol e nos ficarmos sempre maravilhados com as habilidades do futebolista em campo já não restam dúvidas da profissão que vamos escolher. O facto de irmos todos os dias à escola no carro do pai não hesitamos em dizer que queremos ser condutor. Vemos um avião a passar todos os dias por cima da nossa casa, dizemos a mãe que gostaríamos de ser piloto um dia... Este é o mundo que construimos na nossa mente. A vida é, no entanto, cheia de surpresas e muitas vezes nem sempre agradáveis. O importante é sermos persistentes com nós próprios e nunca desistir daquilo que perseguimos. Escolher o melhor caminho a seguir deve ser uma prioridade, pois de nada vale viver sem saber distinguir o que é bom ou o que é mal. É preciso conhecer também e bem a melhor estrada que nos conduz a felicidade. E a felicidade não se alcança com um simples estalar de dedos. Há quem diga que para lá se chegar é preciso andar sob espinhos e brasas de lume encandescente. Bem, eu diria simplesmente andar sempre pela via mais correcta e socialmente aceite e fazer todavia aquilo que nos deixa feliz com nós mesmos e com aqueles que nos rodeiam.


[...]

segunda-feira, 16 de março de 2009

Que desenvolvimento para a Ilha do Maio - I?

Numa crónica publicada no antigo jornal "Tribuna", nos anos 90, questionei naquela altura o estado em que se encontrava o desenvolvimento da ilha do Maio. Foi uma atitude que me causou alguns desabores, devido as reacções que o artigo suscitou entre a classe maiense e não só. Alguns meses mais tarde voltei a carga, desta vez no ex-jornal "Voz di Povo" - o órgão de comunicação social onde trabalhei por mais de quinze anos e que por mera conveniência política dos sucessos governos conheceu vários nomes até chegar ao jornal "Horizonte" e a sua consequente extinção em 2007. Era um artigo com vários destinatários mas desta vez não deixei de criticar também algumas instituições locais pela forma como prestavam os seus serviços aos maienses. Na edição seguinte foram publicados inúmeras cartas em jeito de resposta, vindos principalmente dos presumíveis visados no meu artigo. Evidentemente que essas pessoas tinham que defender a "honra" e o "bom nome" da instituição que representavam, embora reconheço que o faziam apenas para dar satisfação dos seus superiores hierárquicos ou talvez a algum público. Lembro-me de ter respondido a todos e de ter lançado um desafio a quem conseguisse provar de que eu estava a mentir. Houve até cartas anónimas que chegaram às minhas mãos, talvez com objectivo de me intimidar. Convém dizer que não recebi somente críticas, houve quem achou pertinente o assunto abordado, até porque eram unânimes as opiniões entre os maienses de que o Maio caminhava de mal a pior em termos de desenvolvimento. A partir daí nunca mais parei de escrever sobre o processo do desenvolvimento do Maio e os arquivos estão aí para provar.
Fico, contudo, satisfeito por ver hoje que muitos patrícios meus têm feito o mesmo em prol do progresso da nossa querida ilha, o que é bom sinal, pois quanto mais alto for o grito de revolta melhor ainda, até sermos ouvidos por quem tem nas mãos a responsabilidade pelo desenvolvimento do país.
A propósito, comentava há dias com um conterrâneo meu sobre a tão propagandeada fábrica de cimento que nunca mais sai do papel. Já se sabe que o governo tenciona, pelo menos teoricamente, instalar a fábrica de cimento em Pedra Badejo com a matéria-prima proveniente do Maio. O meu amigo tal como eu somos contra. Afinal não faz sentido ter a matéria-prima num sítio e instalar a fábrica noutro. O argumento que tem chegado aos meus ouvidos é de que uma cimenteira no Maio pode trazer consequências desastrosas para o meio ambiente local, levando em consideração que se pretende transformar a ilha num dos destinos turísticos privilegiados do país, aliás tal como se fez no Sal e agora na Boa Vista. Como é óbvio, este argumento não convence ninguém caso tal venha a ser a posição definitiva do governo.
Alguém escreveu algures por aí que se está a fazer a transferência de fábrica do Maio para Pedra Badejo o que também é errado, porque não se pode transferir o que ainda não existe. Seja como for devemos é estar atentos a todas e quaisquer movimentações nesse sentido. Nós, os maienses, não podemos consentir que nos seja subtraído uma dádiva de deus a pretexto de um grande desenvolvimento turístico que mal conhecemos os contornos.
Uma infraestrutura de cimenteira no Maio poderá abrir novas perspectivas para o desenvolvimento da ilha e também para todo Cabo Verde. Afinal estamos a falar de uma matéria-prima insubstituível no mercado de construção civil.
Fala-se muito no estudo do impacto ambiental ou a ausência deste. Desconhecemos por ora quaisquer estudos que indicam para um dos sentidos: o que admite ou rejeita a instalação de uma cimenteira na ilha. Contudo, devemos aguardar para ver o que nos reserva esse tal estudo. Cá por mim não acredito num desfecho desfavorável às aspirações dos maienses. Com tanta tecnologia que hoje se conhece há de haver uma que permita construir uma fábrica de cimento numa ilha com características semelhantes as do Maio e que não ponha em causa o seu ecossistema.

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